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Sérgio Teperman: qual a solução para as enchentes?
por Sérgio Teperman




Enchentes são acontecimentos inevitáveis. Por mais que a humanidade se esforce, a natureza pode até ser contrariada, mas acaba triunfando. A história também, a menos de Stalin e de Tarso Genro, não pode ser alterada. E ela relata que, ao longo dos séculos, as cidades se formaram no cruzamento de eixos comerciais, em torno de colinas fortificadas e principalmente ao lado de rios, ao mesmo tempo fonte de água e lugar para os dejetos, mas, também, grandes eixos de transporte.
As cidades, portanto, estão lá, não dá para mudá-las de lugar nem mudar sua principal conformação urbanística. Tampouco adianta lembrar que as antigas várzeas não eram ocupadas e que ali os ingleses jogavam "football". Muito embora algumas cidades tenham afastado as construções das margens dos rios criando parques, o ganho paisagístico e de imagem de ter um edifício ao lado do rio, com a visão da água e com as perspectivas abertas que as larguras dos rios oferecem torna essa posição imbatível. Reclamar que não se devem fazer avenidas nas margens e que as deveriam transformar em parques, depois que as cidades se estruturaram sobre essas diretrizes, é saudosismo do futuro. Ou mesmo argumentar que não se devem retificar rios, depois que todas as cidades do mundo já usaram essa solução, é o mesmo que dizer que não se devem fazer aglomerações junto aos terrenos fertilíssimos dos vulcões, ou que uma dezena de países deveria sair do círculo de fogo (e água) do Pacífico.
Há casos em que um país é tão inviável, que a solução seria mesmo fechar eternamente para balanço, mandar a população embora e apagar a luz, como no Haiti ou Bangladesh.
Mas há também o caso oposto, o da extrema engenhosidade humana para, mesmo morando em condições previsivelmente catastróficas, ultrapassá-las e se tornar um dos países de maior qualidade de vida e riqueza. É o caso dos Países Baixos. À exceção da cidade de Maastricht, na fronteira da Bélgica e da Alemanha, que atinge a altitude de 300 metros em uma colina fora de lugar, a maior parte dos Países Baixos está abaixo do nível do mar e aí foi criada uma das grandes civilizações da história. Esse país inteiro (pequeno é verdade) possui um planejamento territorial elaborado no meio do século passado, fielmente obedecido, governante após governante. E assim se criaram diques, estradas, portos e várias cidades em "terrenos" que eram água. E são tão capazes de admitir erros, que agora estão relocando cidades para permitir que não o mar (o que seria uma catástrofe), mas que os rios Reno e Maas, em seu delta, extravasem, ocupando áreas que eram cidades. Perceberam que o custo econômico e humano sairia mais barato.
Uma vez perguntei a um holandês qual era o ponto mais alto do país e me respondeu que ficava no Norte, a 4 metros de "altitude". Espantei-me mais ao ser informado de que um país tão pequeno tinha até Norte!
Uma das obras que protege a entrada do canal que leva a Rotterdam, o maior porto do mundo, tem um portão metálico de duas folhas de abrir com 2,5 km de comprimento e comportas que deixam passar o nível de maré alta conveniente ao porto, mas prevenindo inundações.
Naturalmente há também os casos opostos em que a Bushice (ou burrice) do presidente americano deixou praticamente à morte um patrimônio da humanidade, o berço do jazz, New Orleans. A inteligência pode ser incomensurável, mas como se dizia nos tempos da nossa ditadura, a burrice Medí-ci. Mas nenhum local, por mais famoso, escapa de inundações. Falando em Médicis, a cidade de Firenze sofreu em 1966 uma enchente que devastou em sua área central totalmente plana museus, palácios e igrejas, com um "Tsunami" de 6 metros de altura. Aí se percebeu, talvez pela primeira vez, que barragens destinadas a fornecer energia elétrica são em geral totalmente opostas como finalidade, para controle hidráulico. São incompatíveis.
As inundações previsíveis que atingem todos os verões a cidade de São Paulo, os desabamentos de terra nos contrafortes da Serra do Mar, as repetidas catástrofes no vale do Itajaí e tantas outras são inevitáveis.
O que é impensável, inconcebível, é que nada seja feito, previsto, seja como solução viária e urbanística alternativa, ou que, no caso de São Paulo, não seja realmente prevenida e severamente reprimida a atitude vergonhosa da população, de atirar tudo aos rios, colaborando decisivamente para o agravamento das causas das enchentes.
Temos em São Paulo o hábito de ver as enchentes pela impossibilidade de nos locomover, mas o dano é infinitamente maior. Inundações fazem parte da vida e da morte, a diferença está em prever soluções de proteção, alternativas viárias e principalmente planejamento urbanístico e territorial adequado, como sempre. Os governantes dos municípios em torno da Grande São Paulo, por exemplo, recusaram-se a se associar à Companhia de Saneamento Básico do Estado, que faria estações de tratamento de esgoto nos seus municípios, porque preferem gastar dinheiro com fontes luminosas a pagar as tarifas da companhia.
A solução, a meu ver, é extremamente simples: construir um tampão de concreto nos córregos dos municípios vizinhos a São Paulo, na divisa entre os dois municípios e cada um cuida dos seus problemas.
Com a mente curta de atitude corrupta, os nossos políticos só pensam em seus interesses pessoais e de seus companheiros. Quando muito constróem pontes em locais desnecessários e lembram, sempre adaptando o título, Paul Simon nas suas "water under troubled bridges". 

Disponível em: http://www.revistaau.com.br/arquitetura-urbanismo/192/artigo163575-1.asp




Enchentes em São Paulo: causas às soluções
por Álvaro Rodrigues dos Santos


Para combater exitosamente um problema é preciso conhecer e eliminar suas causas. No caso das enchentes metropolitanas, os sucessivos governos – Estado e municípios – têm desconsiderado totalmente esse preceito metodológico básico e concentrado ações e atenções na busca de uma solução hidráulica simplista que, como panaceia tecnológica, os aliviasse do pesado ônus político de responder pelas calamidades públicas associadas ao problema.
Há décadas têm sido priorizados, quase com exclusividade, os dispendiosos serviços de ampliação e manutenção das calhas dos principais rios metropolitanos e, mais recentemente, a instalação dos deletérios piscinões, verdadeiros atentados urbanísticos, sanitários e ambientais. 
A realidade tem sido madrasta dessa lógica limitada e mostrado claramente que as obras hidráulicas estruturais, ainda que indispensáveis, são insuficientes para reduzir drasticamente a quantidade e a intensidade das enchentes na região. As causas principais de nossas enchentes estão associadas a alguns fatores perfeitamente identificáveis. 
Primeiro, há que considerar as características geológicas e hidrológicas naturais da região da bacia do Alto Tietê. Nas condições naturais, os rios Tietê, Pinheiros, Tamanduateí e outros eram sinuosos e com baixíssima declividade, revelando que a região, antes do homem branco por aqui chegar, já demonstrava grande dificuldade em escoar suas águas superficiais.
Não reconhecendo e não levando em conta essas características naturais, a metrópole desenvolveu-se sob a cultura da impermeabilização e da canalização e retificação de seus cursos d’água, reduzindo enormemente a capacidade original da região de infiltrar e reter as águas das chuvas.
Como decorrência, volumes crescentemente maiores de água em tempos menores são escoados para drenagens naturais e construídas, incapazes de lhes dar vazão.
Agravando esse quadro, vêm sendo progressivamente ocupados os terrenos mais periféricos, de relevo mais acidentado e com solos extremamente mais vulneráveis à erosão.
Opta-se, nessas condições topográficas, por produzir artificialmente, por meio de operações de terraplanagem, áreas planas e suaves para assentar as novas edificações, implicando exposições cada vez maiores e mais prolongadas dos solos aos processos erosivos.
Como resultado direto, na região metropolitana de São Paulo, são produzidos anualmente por erosão cerca 3,5 milhões de m3 de sedimentos silto-arenosos, cujo destino inexorável é o assoreamento fantástico de toda a rede metropolitana de drenagem, reduzindo, com o entulho de construção civil e o lixo urbano lançados irregularmente, ainda mais sua já sobrecarregada capacidade de vazão.
Uma observação preocupante e que revela a pouca abrangência da atual estratégia de combate às enchentes: a metrópole continua a crescer cometendo os mesmos trágicos e elementares erros que estão na origem de todos esses problemas.
Se levar corretamente em conta esse diagnóstico, condição indispensável para o êxito no combate às enchentes, a administração pública deverá complementar seu programa com um audacioso grupo de ações que incidam diretamente sobre as causas maiores das enchentes.
Planejar e colocar regras claras e rígidas para o crescimento urbano. Aumentar a capacidade de retenção de águas de chuva por infiltração e reservação com expedientes técnicos de desimpermeabilização da área urbanizada e instalação de reservatórios empresariais e domiciliares. 
Concomitantemente, reduzir drasticamente os intensos processos erosivos que incidem sobre todas as frentes de expansão urbana da metrópole, hoje palco de um verdadeiro desastre geológico, assim como o lançamento irregular do entulho de construção civil e do lixo urbano. 
Algumas ações pontuais da prefeitura – como a conservação das várzeas do Tietê a montante da barragem da Penha e a implantação de parques lineares – são auspiciosas, mas extremamente limitadas dada a dimensão da bacia do Alto Tietê, com 6 mil km2 e mais de 30 municípios.
Disponível em: www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc292/mc292.asp